Lançado com pouca pompa e grande ousadia, o RPG Clair Obscur: Expedition 33 superou a marca de 2 milhões de cópias vendidas em apenas 12 dias. O jogo, desenvolvido pelo estúdio francês Sandfall Interactive, é a mais nova aposta bem-sucedida da editora independente Kepler Interactive. Os detalhes da produção e da estratégia por trás desse sucesso foram revelados em entrevista exclusiva concedida ao site Games Industry.
Com direção artística marcante e jogabilidade inspirada em RPGs japoneses, o jogo se destacou em um mercado saturado por grandes franquias e fórmulas repetidas. Mais que um êxito comercial, o título se tornou símbolo do renascimento dos chamados jogos AA, que combinam ambição criativa e produção enxuta.
Produção reduzida e foco autoral definem sucesso da Sandfall
De acordo com François Meurisse, produtor e COO da Sandfall Interactive, o estúdio partiu de uma proposta clara: criar um jogo autoral, sem se prender a tendências comerciais. Ele destacou que o objetivo inicial era apenas desenvolver um projeto apaixonado, resgatando a essência dos RPGs em 3D que marcaram gerações anteriores.
A equipe central contou com cerca de 30 pessoas ao longo dos quatro anos de desenvolvimento. Em vez de escalar rapidamente, o estúdio optou por crescer com parcimônia, chamando colaboradores externos apenas em áreas específicas, como dublagem, localização e animação. A escolha por esse modelo permitiu manter o controle criativo e entregar um produto coeso.
Kepler aposta em inovação e estrutura descentralizada com Clair Obscur
A Kepler Interactive funciona como uma rede de estúdios independentes que compartilham recursos administrativos, mas mantêm total liberdade criativa. Segundo Matthew Handrahan, diretor de portfólio da editora, o papel da Kepler é apoiar os estúdios onde for necessário, sem interferir nas decisões de cada equipe.
Assim, a estratégia se mostrou eficaz. Desde sua fundação em 2021, a editora lançou títulos autorais como Sifu, Scorn e Tchia, todos com forte identidade visual e propostas fora do padrão. Handrahan afirma que o diferencial da Kepler está em evitar modismos e priorizar jogos que ofereçam experiências novas ao público.
Com Clair Obscur, a editora passou a publicar jogos de estúdios que não fazem parte de sua estrutura original. A expansão da linha editorial inclui títulos como Pacific Drive e o recém-anunciado PVKK, da desenvolvedora Bippinbits. A ideia, segundo ele, é que o público reconheça um jogo da Kepler mesmo antes de ver o logo.

AA volta ao radar e desafia o domínio dos blockbusters após Clair Obscur
A recepção de Clair Obscur colocou os holofotes de volta nos jogos AA, termo usado para designar produções de médio orçamento e alta ambição artística. Embora o conceito não tenha fronteiras exatas, títulos como A Plague Tale e Hellblade já vinham sinalizando essa tendência. Para Meurisse, o mercado estava carente de experiências com esse perfil.
Ainda assim, o time de produção da Sandfall foi alvo de questionamentos sobre o número real de envolvidos. Críticas apontaram que os créditos incluem dezenas de colaboradores adicionais. Meurisse esclareceu que o núcleo criativo permaneceu com cerca de 30 profissionais, e que os demais atuaram de forma pontual, sem comprometer a proposta de um time compacto.
Para Handrahan, a discussão mais relevante é o impacto que essas produções podem ter. Ele compara o atual momento com uma época em que grandes editoras lançavam títulos inovadores e fora do padrão, como Mirror’s Edge e Vanquish. A redução desse tipo de jogo abriu espaço para que estúdios independentes retomem o protagonismo.

Expectativas para a próxima produção e futuro da Kepler
Com o sucesso consolidado, a Sandfall já planeja seu próximo projeto. Ainda sem detalhes divulgados, Meurisse adianta que a equipe, agora mais experiente, pretende seguir com uma estrutura leve, mas sem abrir mão da originalidade. A expectativa é manter o mesmo espírito criativo, com um processo mais eficiente e ambicioso.
Na Kepler, a meta é ampliar a presença no mercado mantendo o foco em jogos que fujam do lugar-comum. Handrahan afirma que o segredo está em equilibrar inovação com sustentabilidade. Para ele, seguir tendências é um risco em um cenário onde milhares de jogos chegam às lojas digitais todos os meses.
O sucesso de Clair Obscur também reafirma o valor de um modelo editorial que respeita a visão dos criadores. Assim, como destacou o consultor Shuhei Yoshida, ex-Sony, a Kepler é exemplo de como o setor pode investir em inovação sem depender de grandes orçamentos ou fórmulas desgastadas.